Matéria de Jornal Publicada em 1930
pelo Dr. Flávio Maroja
"Eu tinha a cabeça repleta dos famosos
conceitos (1) enunciados no discurso do eminente dr. Miguel Couto,
proferido na occasião do transcurso do 101o. anniversario da fundação da
Academia Nacional de Medicina 2 e da excellente chronica de G.
M. (deve ser o dr. Guedes de Mello) sobre Mocidade e Velhice, quando se
completou, a 24 de outubro findo, o grande movimento revolucionario que
sacudia o paiz desde o dia 4 - sem falar nos dias agitados que vinham de longe
(3). Pensei, por instantes, sobre o empolgante acontecimento, fazendo,
"de assalto", um pouquinho de Historia patria. Recordei o
que se havia passado com os vizinhos da Bolivia, do Perú e da Argentina;
levei o meu espírito até o 15 de novembro de 89; vi, pelo pensamento, o
magnanimo Imperador D. Pedro II, e, num mixto de pezar e alegria,
proferi, por minha vez, a sublime e rigorosa sentença: - "Nada
ha perpetuo debaixo do sol, e os proprios reis mais se encontram no exilio
do que nos thronos."
Quando foi a deposição do presidente argentino, sr.
Hypolito Irigoyen, eu disse a alguns de meus intimos, aventurando um
prognostico, que, por fim, se realizou: - a bomba estoirou muito perto,
sendo possível que u'a faisca venha até nós!… (4)
E, para falar com franqueza e sinceridade, foi
sómente nessa occasião, alheio como me achava ao movimento que se tramava
á surdina, que admitti a hypothese do mandado de despejo do occupante do
Cattete.
Disse muitas vezes que não nasci para ser político.
Faltavam-me, além de outros predicados
indispensáveis, o gosto e o geito. Sim, o gosto e o geito.
A primeira Republica apanhou-me na edade dos sonhos
e das esperanças; a segunda, ou a nova Republica, como querem alguns,
encontroume na edade do desalento e das desillusões.
Deixei a politica desde novembro de 1924, conforme
fiz sciente aos chefes e proceres do partido, - isto sem barulho, sem
espalhafato, sem recorrer á hygiene para desinfectar a casa, ou á policia
para apresentar a minha queixa.
Mas, deixei, entediado dos processos da politica
que se não enquadravam bem com o meu modo de pensar, de sentir e de vêr as
cousas pelo prisma que eu imaginava.
Sahi, já se vê, como um revoltado!
Escrevi, distribuindo com alguns amigos, a seguinte
e breve declaração ou despedida: - "Em mim não vejam mais o homem
politico, - mas continúem a vêr o parahybano que, desde o inicio de sua
vida publica, que data de 1889, tem sabido amar a sua terra e procurado
bem servil-a."
Veio, motivado pela successão presidencial, o dissidio
do anno transacto, - dissidio que convulsionou todo paiz; mas eu me
conservei fiel ao meu juramento. E quando me interpellavam sobre o meu
silencio, limitava-me a apresentar a referida declaração, escripta em um
pequeno cartão, que conduzo, para não perder tempo em explicações
enfadonhas e inuteis. E este cartão representa, no momento que
atravessamos, o meu "lenço vermelho", que, digase sem o proposito de
offender, está mascarando a hypocrisia de uns e definindo a convicção de
muitos.
Deixei a politica; nem por isto, convém dizel-o,
deixei os velhos amigos, que me não fizeram de bexiguento,
evitando-me e subindo, quando necessario, as escadas do Palacio a fim de,
perante o govêrno do Estado pleitear favores para o Instituto Historico e
Geographico Parahybano e para a Sociedade de Medicina e Cirurgia da
Parahyba, - dois gremios que estão presos a mim como a sombra ao corpo. E
nunca, devo dizel-o, fui desattendido.
Mas, nessa phase de agitação que sacudiu mais a
Parahyba do que aos outros Estados da Federação, nem o
"liberalismo" me seduziu, nem o "perrepismo" me
fascinou!
No torvellinho das paixões desencadeadas, eu não
perdi, entretanto, o enthusiasmo que sempre tive pela Republica e o amor
que sempre dediquei á minha terra. Convém desde logo registar, com ufania,
que esta, na incandescencia da lucta que aqui se feriu, acatou a
minha resolução de ha 6 annos e respeitou a minha individualidade, por
onde andasse, ou apparecesse.
Para nella viver e nella morrer cheguei a recusar o
offerecimento d'um collega do Rio, para servir na Diretoria Geral de
Saúde Publica, hoje Departamento de Saúde Publica.
E no tempo da presidencia do velho amigo dr.
Epitacio Pessôa, como serme-ia facil u'a remoção, com accesso, para aquelle
Departamento!
Agora, a segunda Republica aconselha-me a quebrar o
silencio e a falar.
Adherir não tenho a que, - visto como, deixando de
ser politico, não deixei no intimo de ser republicano, chorando os
infortunios da minha Patria!
Sempre que no Instituto Historico, em cada 15 de
novembro, discursava, dizia da excellencia do regimen, lamentando o
descaso, a má fé, o inescrupulo e o impatriotismo dos seus arrogantes e
infieis dirigentes.
E o resultado disto já estamos vendo claramente
(5)!
Applaudo, por conseguinte, com toda a firmeza, a
proclamação (6) (vá lá proclamação) da segunda Republica, - sem calculos
reservados, ou pretenções occultas, porque o movimento victorioso que
abalou o paiz inteiro nada me deve (5) para ser franco e sincero
(7). Dentro das minhas possibilidades espero ainda prestar serviços a
minha terra, - sem caracter politico. A despeito dos annos, ainda me não
preoccupa grandemente áquelle "otium cum dignitate" de que
não desdenhou o proprio Cicero, apesar das suas inabalaveis energias. Ahi
tem o que, no momento, julguei opportuno dizer, sem receiar a injustiça, a
má comprehensão, ou a maledicência dos homens.
Brasileiro, eu faço ardentes votos pela felicidade
do meu paiz, confiando que os seus novos dirigentes melhor comprehendam a
belleza do regimen (8) e melhor saibam cuidar dos seus interesses e
possam, sem embaraços, realizar o seu longo programma, curando os males
antigos e prevenindo males futuros (9). E para não serem reformados os
nossos costumes politicos, combatendo os vicios que estragaram a primeira
Republica e desacreditaram os nossos homens publicos, ah, brademos! não
valia a pena o emprego de tanto esforço, tanto trabalho, tanta retorica,
tanta malquerença, e… tanto sacrificio!
Numa das correspondencias de Lisbôa, de
Fidelino de Figueirêdo para o "Diario de Pernambuco", sob o
titulo "Do conceito de geração", lê-se o seguinte empolgante
trecho: - "De resto, na base de toda politica está um acto de fé, -
fé na solvencia da Patria para os seus problemas, fé na
indestructibilidade sempiterna, fé na virtude e no triumpho final da
justiça, fé sem desalento na ajuda de Deus aos homens de bôa
vontade."Que esas fé seja o guia fiel dos novos dirigentes da nova, ou
segunda Republica.”
FLAVIO MAROJA
Transcrito literalmente a
partir de recorte de jornal do acervo pessoal de Maria Flávia Maroja von
Doellinger, neta do autor.
O título do jornal não está visível. No cabeçalho, identifica-se que se
trata de novembro de 1930, mas o dia
exato não está aparente. Pode-se depreender que foi publicado
até o dia 5 do mês, por indícios presentes nos demais textos.
(1) Que “famosos conceitos” de Miguel Couto são esses?
(2) A referida academia foi fundada em 30 de junho de 1829, de
maneira que o discurso por ocasião do 101o. centenário ocorrera
havia poucos meses.
(3) Refere-se à vitória do movimento que ficou conhecido como Revolução de 1930, liderado por Getúlio Vargas.
(4) Interessantíssima relação estabelecida entre um desdobramento
de política interna em um país vizinho e outro no Brasil. Isso é ilustrativo de como um político e intelectual de uma província do Nordeste pensava e acompanhava os acontecimentos sul-‐americanos,relacionando-os, por comparação, ao caso doméstico.
(5) Flavio Maroja atribui a falência da República em queda
aos víciosdos dirigentes, de maneira que fiquem preservadas as virtudes intrínsecas do regime republicano de governo.
(6) Muito interessante que denomine o que passou para
a história ora
como golpe, ora, mais comumente, como
revolução, como uma proclamação. Qual seria o conteúdo proclamado?Note-‐se que o
autor mesmo não está seguro
da adequação da escolha vocabular.
(7)Os comentários elogiosos poderiam ter sua isenção contestada pela suspeita de que o autor pleiteava uma boa posição na nova acomodação
de poder, uma vez que os elogiados saíram vitoriosos.
(8)Neste passo,também transparece uma opinião de Flavio
Maroja sobre os
motivos do fracasso da dita primeira
República: seus dirigentes não compreenderam bem “a beleza do regime”
republicano,nem representaram adequadamente os interesses dela.
(9) Uso de linguagem
relacionada à Medicina, área de formação acadêmica do
autor.
Talvez enriqueça a leitura desse documento a informação de que Flávio Maroja nasceu e educou-se durante o Segundo Reinado. Diz-se, na família, que recebeu o diploma das mãos do Imperador D. Pedro II, o que é bem provável, visto que concluiu o curso de Medicina no Rio de Janeiro, e o Imperador, amante da educação e das ciências que era, bem poderia fazer questão de presidir às cerimônias de colação de grau da única faculdade de Medicina da Corte. Além disso, Flávio Maroja estava vinculado à monarquia pelo casamento: sua esposa, Dona Licota (Maria da Purificação), era sobrinha do Barão do Abiaí, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha. Apesar disso, no artigo acima, declara: "eu não perdi, entretanto, o enthusiasmo que sempre tive pela Republica".
ResponderExcluirCaro Ramon, a primeira faculdade de Medicina do Império foi a de Salvador, Bahia, onde vovô Flávio iniciou os estudos. Foi de lá que escreveu a carta dirigida a seus pais.( Bahia 13 de março de 1885)
ResponderExcluirSim, reconheço. Quando escrevi "única faculdade" referi-me ao âmbito da Corte, o município neutro do Rio de Janeiro, capital do Império.
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